sábado, 28 de abril de 2012

Razões para tirar um filho de uma escola Waldorf - Parte final

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Ambiente irreal

Sim, as escolas Waldorf apresentam aos seus alunos, desde o jardim da infância (horrorosamente denominado fora delas de "educação infantil") um ambiente que não é o comum. Um exemplo trivial: vá-se a qualquer festa de uma escola Waldorf digna dessa denominação, por exemplo uma festa junina, ou um bazar natalino (onde o mais importante para se ver é a exposição dos cadernos e trabalhos dos alunos de todas as classes – é mais interessante do que um museu, pois reflete de maneira viva o amadurecimento progressivo das crianças e adolescentes). Nessas festas, observe-se o ambiente tranquilo, sem uso de alto-falantes berrando e agredindo os ouvidos dos presentes, tão comum em outras escolas. Com esses sistemas de som só se pode conversar gritando. Observe-se ainda a decoração artística, sem figuras monstruosas ou caricatas, como é tão comum nos ambientes onde não há sensibilidade artística. Para outra demonstração de como o ambiente das escolas Waldorf é incomum, visitem-se algumas classes, começando pelos jardins de infância; nessa visita, qualquer um sente vontade de ser criança novamente! Nos ensinos médio e fundamental as paredes das classes são decoradas com trabalhos artísticos dos próprios alunos, bem como com pinturas de grandes artistas. Há também decoração com cristais e nos primeiros anos há sempre o ‘cantinho da época do ano’ etc.

Esse ambiente das escolas Waldorf é incomum justamente pelo fato de ser artístico e sadio. Agora deve-se perguntar: quem está errado, o método Waldorf ou os outros? Qual o ambiente que se deseja para crianças e jovens?

O mundo está cada vez mais agressivo. O ataque à infância e à juventude, que no meu entender começou na década de 1950, está cada vez mais intenso. Neste momento em que estou escrevendo a primeira versão deste artigo, tenho à minha frente o caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo de hoje, domingo 1/8/10. No artigo "Autoexibição de adolescentes na web ganha audiência e desafia autoridades", ocupando as pp. C1 e C3 inteiras, há extensa reportagem sobre a exibição de adolescentes em frente a câmeras trasmitindo-os pela Internet para sites de relacionamento, enquanto se despem ou até se masturbam, ignorando o perigo que correm e como o erotismo não é sadio nessa idade. Como bem chamou a atenção Gregory Smith no livro já citado, crianças e adolescentes simplesmente são todos ingênuos (Smith 2009). Aquilo que venho declarando e escrevendo há dezenas de anos desde o início do uso do computador e da Internet por crianças e jovens está cada vez mais patente: esses meios não são para crianças e adolescentes, pois exigem um discernimento muito grande do que é correto ou falso, do que é belo ou feio, do que é bom ou mau, bem como do que é apropriado a cada maturidade e cultura. Além disso, exigem uma enorme autodisciplina (que crianças e adolescentes não têm), pois são extremamente atraentes e viciantes. O ambiente das escolar Waldorf não incentiva o uso desses meios eletrônicos, incluindo a TV e os terríveis video games. Pelo contrário, uma escola Waldorf digna desse nome reconhece os malefícios que esses meios representam para os seus alunos e procura desencorajá-los a os usarem, alertando explicitamente os pais sobre os problemas que podem decorrer de sua utilização.

O que os pais desejam para seus filhos: um ambiente ideal, sadio, sensível, artístico, altamente social e amoroso, ou um ambiente agressivo, brutalizado, monstruoso (veja-se a admiração pelos horríveis dinossauros), antiartístico, mostrando com figuras de histórias em quadrinhos uma caricatura do mundo, levando a um desrespeito pelo mesmo? Se o mundo está torto, criemos um ambiente contrário a ele para nossas crianças e adolescentes, tanto na escola como no lar. O argumento padrão nesta altura seria: "Mas é impossível impedir que nossos filhos tenham contato com essas coisas horrorosas!" Pois compare-se o tempo de uso desses meios no lar e na escola, se eles estiverem disponíveis nesses ambientes, com o seu uso na casa de amiguinhos ou em outros ambientes, como as Lan Houses (cujo uso deveria ser proibido pelos pais!). O segundo tempo será muitíssimo menor do que o primeiro. Além disso, em termos de uso do computador e da Internet no lar, é facílimo controlá-los: é só não dar a senha de acesso e só ligar o computador para usos especiais. Só há uma maneira de controlar efetivamente o uso da Internet pelos filhos: ficar ao lado deles. Reconheço o problema de se fazer isso com adolescentes, mas talvez se fossem mostrados todos os perigos e males que podem advir do acesso (ver os já citados Smith 2009 e Setzer 2010), eles compreenderiam e se deixariam controlar. Com adolescentes, é fundamental explicar os problemas e citar casos dos desastres provocados pela Internet. O problema principal é o acesso livre, o que já acontecia com a TV. Mas os piores casos ocorrem quando esses meios encontram-se no quarto de dormir dos filhos, bem como com telefones celulares, smartphones e similares com acesso à Internet, pois nesses casos não há absolutamente nenhum controle. No caso dos celulares, nem há a possibilidade de se instalar software de controle de acesso e de monitoramento daquilo que foi usado na Internet. O uso desse software é a principal recomendação de Gregory Smith (Smith 2009) que, como acontece em geral, simplesmente não tem coragem de levar suas corretas observações às últimas consequências e dizer que a Internet não é para crianças e adolescentes.

(...) As escolas Waldorf representam hoje em dia talvez o maior ninho protetor escolar existente. Quando os jovens tiverem maturidade, sairão do ninho sem problema, tendo a capacidade de reconhecer o que é falso, feio e mau e terão segurança, energia e força de vontade para enfrentá-los. Manter os filhos no ensino médio Waldorf significa adiar essa saída até os 18 anos, quando eles já terão suficiente maturidade para enfrentar e reconhecer as misérias do mundo.

Não é o ambiente das escolas Waldorf que é irreal, pelo contrário, ele é impregnado de uma profunda realidade sobre o que significa o desenvolvimento sadio de uma criança e de um adolescente; é o ambiente fora delas que é em geral irreal frente ao que os jovens necessitam.

Problemas adicionais do ensino tradicional

Um dos principais problemas do ensino tradicional é a tensão que ele provoca em crianças e adolescentes, sempre com o perigo de serem punidos, tirarem notas baixas e serem reprovados. É absolutamente necessário que se compreenda que as notas são o que chamei há dezenas de anos de "varinha de marmelo moral". Quando se dava um castigo físico para um aluno, ele podia sofrer no momento, mas com o tempo iria esquecer o ocorrido. As notas, quando são baixas, são verdadeiros castigos morais indeléveis, pois ficam registrados para sempre. Na falta de habilidade do professor para despertar em seus alunos um entusiasmo pela matéria, ele usa a varinha de marmelo moral para forçar os alunos a estudar. Mas quem estuda sem interesse e entusiasmo acaba sempre frustrado e com dificuldade de estudar.

Pergunto aos leitores: quem se lembra do que aprendeu no ensino médio? Garanto que as lembranças são impressões, e não os detalhes que eles tiveram que saber para tirar boas notas nas provas. Então, por que tiveram que estudar para elas, e passar pela tensão que passaram? O que sobrou foi um amadurecimento, uma técnica mental, uma vaga lembrança, e não todos os detalhes que tiveram que saber ou mesmo decorar. Mas amadurecimento e técnica mental é justamente o que não se pode medir com provas. Adolescentes ainda não estão suficientemente maduros para enfrentar a frustração de tirar notas baixas e a tensão que passam antes das provas e com a perspectiva de serem reprovados.

E por falar em reprovação, observe-se a sabedoria do ensino totalmente continuado das escolas Waldorf, existente desde 1919, e como ele funciona maravilhosamente. Ele não funciona fora dessas escolas simplesmente por que os professores e pais não foram preparados para esse sistema, proposto pela UNESCO justamente baseado na experiência da pedagogia Waldorf. Uma das principais razões é que os professores raramente sentem amor pelos seus alunos, algo que justamente não é ensinado nos cursos de pedagogia e de licenciatura. Steiner afirmou o seguinte:

"As três regras de ouro da arte de educar e de lecionar que, em cada professor, em cada educador, devem ser disposição total, impulso total para o trabalho, que não podem ser concebidas simplesmente de maneira intelectual, mas devem ser apreendidas a partir do ser humano global, devem ser: [1] Gratidão religiosa frente ao cosmo que se manifesta na criança, [2] unida à consciência de que a criança representa um enigma divino, que se deve solucionar mediante a arte de ensinar. [3] Praticar com amor um método de ensino pelo qual a criança se educa instintivamente junto a nós, de modo que não se ameace a sua liberdade, que deve ser considerada também onde se encontra o elemento inconsciente da força orgânica de crescimento." (Steiner 1979, palestra de 19/8/1922, p. 75; minha tradução e numeração.)

Um outro fator é o desconhecimento que os professores têm do que se passa no íntimo dos jovens em cada idade, o que é dado pelo conhecimento do desenvolvimento estabelecido por Rudolf Steiner, uma das bases que distingue a pedagogia Waldorf de outros métodos. Com esse conhecimento, o professor pode apresentar a matéria de maneira adequada para a idade, facilitando o entusiasmo dos alunos.

A respeito do interesse dos alunos pela matéria, ele disse:

"Se o erotismo assume entre os jovens uma importância desmedida, a culpa é dos professores, que são medíocres e não sabem despertar o interesse. Se as crianças não têm interesse pelo mundo, o que lhes resta para pensar? Quando se fala de maneira enfadonha na aula de matemática ou de história, só lhes resta pensar no que se passa em seu corpo – no coração, no estômago e nos pulmões. Isso pode ser evitado se desviamos o interesse dos jovens para o mundo; isso é sumamente importante. Se o erotismo predomina, se recebe uma atenção excessiva enquanto as crianças estão na escola, toda a culpa cabe à escola." (Steiner 1978, palestra de 21/6/1922, p. 15)

(...) Finalmente, vou mencionar um aspecto que talvez toque alguns pais. Além da falta de um conhecimento profundo sobre a natureza íntima do jovem, há uma outra praga que assola o ensino tradicional: o materialismo dos professores. Por materialismo entendo uma concepção de mundo que admite nele exclusivamente a existência de matéria e energia físicas, bem como apenas de processos físicos. Uma pessoa é materialista se somente pensa nesses termos. A grande maioria da humanidade com uma certa cultura é hoje em dia materialista, o que é perfeitamente natural, pois a humanidade tem que passar por essa visão de mundo para poder chegar consciente e livremente a uma visão muito mais ampla e profunda, espiritualista, como a dada por Rudolf Steiner em sua Antroposofia. Em particular, o ensino médio e universitário padrões são profundamente materialistas, o que em geral torna os jovens adeptos dessa concepção. As escolas Waldorf não ensinam espiritualismo, e devem apresentar no ensino médio a visão materialista corrente, na filosofia, na história e nas ciências. No entanto, isso deve ser feito de maneira crítica, por exemplo dando-se a teoria da evolução neodarwinista como ela é, uma teoria, e não como uma verdade. Em especial, é fundamental que se apresentem as questões em aberto dessa teoria (como o aparecimento da fala humana, o fato de o corpo humano não ter pelo ou couro etc.) e os problemas que ela apresenta (como os cálculos recentes mostrando que não houve tempo suficiente para mutações coordenadas e o resultante aparecimento de novas espécies, como é o caso do período denominado de 'explosão cambriana'). Na Física, deve-se mostrar, por exemplo, que não se sabe o que é um átomo: como já citado em 3.1, ele não é um sistema planetário, se bem que esse modelo serve para certos fins, como por exemplo para se lidar com elementos e combinações químicos. É absolutamente fundamental que se esclareçam os alunos sobre o que é a modelagem matemática e suas limitações, e como esse método tornou-se o padrão científico moderno. Nada disso é feito no ensino tradicional, pois há uma intenção consciente ou inconsciente de se endeusar a ciência, sem mostrar seus problemas e limitações. A intenção subjacente é a de induzir uma mentalidade materialista.

(...) Apesar de não ensinarem espiritualismo, as escolas Waldorf querem produzir jovens com pensamentos flexíveis e com sensibilidade, de modo que não sejam acorrentados irremediavelmente ao materialismo. Por sua própria evolução, talvez alguns deles cheguem mais tarde a um espiritualismo moderno, sem dogmas e sem crenças. Uma educação exaltando a ciência materialista é certamente um obstáculo para esse passo.

Fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tirar-de-waldorf.html

Imagem: comshalom.org

9 comentários:

  1. Olá

    ... Primeiro quero falar do problema que tive no início da leitura, porque me deu uma grande curiosidade relacionado à tal “Waldorf”, que fui atrás de imagens no Google (botei o link do Wikipédia.org aqui: http://bit.ly/1fpR ), pra ver imagens do lugar, e encontrei “Waldorf School”, que tem pelo mundo inteiro; menos no Brasil :(

    Assim mesmo, continuei a leitura do seu importante texto - mas, devo sugerir que nos temas abordados coloquem fotos para estimular a leitura e facilitar a compreensão (para àqueles que estão chegando agora no Blog!). Valeu!

    No mais, tá tudo certo! Quero dizer ainda que não sou contra o que está escrito no texto (... muitas coisas têm sentido ...); mas crescemos em uma sociedade de pais subjulgados, mães reprimidas - muitas vezes, iniciado dentro das escolas. Daí, me tornei um partidário da educação dentro de casa; e depois, na escola.

    Mas nada de impedir os meus filhos de saber dos horrores na nossa realidade, porque é fato. Vou esclarecer com palavras e exemplos visuais o porquê disso tudo e quais são as recompensas e os possíveis resultados de cada ato. Sem aliená-los. Porque mais tarde às escolhas serão deles ...

    Gostei deste conteúdo abordado no Edupreciso.blogspot.com.br!

    ;-)

    Até depois ...

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    1. Olá Edson:
      Essas escolas existem no Brasil, sim, inclusive em Porto Alegre, ondo moro.
      Já que achou o assunto interessante, dê uma olhada na primeira postagem que fiz sobre o assunto, em junho de 2011 e que explica a pedagogia Waldorf.
      Em vista do que há atualmente em matéria de educação escolar, eu achei essa pedagogia bem interessante.
      Obrigada pela visita e participação.
      abraços

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  2. Olá.
    Post divulgado no Teia Educação.
    Até mais

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  3. Querida amiga

    Como professor,
    entendo que o sistema
    educacional está doente.
    Rouba-se a ternura
    e dita-se o conteúdo.


    Que sempre haja amor,
    para alimentar de sentidos
    sua vida.

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  4. Passei por aqui para desejar bom fim de semana!

    Beijo da Nita.

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    1. Olá Edson, existem várias escolas Waldorf no Brasil, em torno de 58.

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  5. Deviria haver ensino médio Waldorf em Campinas, apenas isso.

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  6. Há várias formas de sistemas educacionais que são pregados pelo mundo inteiro e cada teórico irá defender o seu, mas sempre tive em mente e a todo instante eu refletia sobre as ações minha e de toda a sociedade sobre o que é educar sistematicamente, pois não há um modelo perfeito de EDUCAÇÃO neste ou naquele lugar. Educar é trabalhar com seres humanos e todos nós trazemos conosco nossas insatisfações, nossos anseios, nossas buscas o que torna tudo muito infinito e subjetivo. Gostei de conhecer a sistemática desta escola que veio a acrescentar, porém nada é ideal quando se trata de um processo que nunca estará acabado.

    Grande abraço, Atena.

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  7. Malu:
    Concordo que não existe modelo perfeito, contudo achei bem interessante o modelo Waldorf pelo seu lado humanístico e estimulador da criatividade.
    Obrigada pelo comentário e beijos

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