Ambiente irreal
Sim, as escolas Waldorf apresentam aos seus alunos, desde o jardim da infância (horrorosamente denominado fora delas de "educação infantil") um ambiente que não é o comum. Um exemplo trivial: vá-se a qualquer festa de uma escola Waldorf digna dessa denominação, por exemplo uma festa junina, ou um bazar natalino (onde o mais importante para se ver é a exposição dos cadernos e trabalhos dos alunos de todas as classes – é mais interessante do que um museu, pois reflete de maneira viva o amadurecimento progressivo das crianças e adolescentes). Nessas festas, observe-se o ambiente tranquilo, sem uso de alto-falantes berrando e agredindo os ouvidos dos presentes, tão comum em outras escolas. Com esses sistemas de som só se pode conversar gritando. Observe-se ainda a decoração artística, sem figuras monstruosas ou caricatas, como é tão comum nos ambientes onde não há sensibilidade artística. Para outra demonstração de como o ambiente das escolas Waldorf é incomum, visitem-se algumas classes, começando pelos jardins de infância; nessa visita, qualquer um sente vontade de ser criança novamente! Nos ensinos médio e fundamental as paredes das classes são decoradas com trabalhos artísticos dos próprios alunos, bem como com pinturas de grandes artistas. Há também decoração com cristais e nos primeiros anos há sempre o ‘cantinho da época do ano’ etc.
Esse ambiente das escolas Waldorf é incomum justamente pelo fato de ser artístico e sadio. Agora deve-se perguntar: quem está errado, o método Waldorf ou os outros? Qual o ambiente que se deseja para crianças e jovens?
O mundo está cada vez mais agressivo. O ataque à infância e à juventude, que no meu entender começou na década de 1950, está cada vez mais intenso. Neste momento em que estou escrevendo a primeira versão deste artigo, tenho à minha frente o caderno Metrópole do jornal O Estado de São Paulo de hoje, domingo 1/8/10. No artigo "Autoexibição de adolescentes na web ganha audiência e desafia autoridades", ocupando as pp. C1 e C3 inteiras, há extensa reportagem sobre a exibição de adolescentes em frente a câmeras trasmitindo-os pela Internet para sites de relacionamento, enquanto se despem ou até se masturbam, ignorando o perigo que correm e como o erotismo não é sadio nessa idade. Como bem chamou a atenção Gregory Smith no livro já citado, crianças e adolescentes simplesmente são todos ingênuos (Smith 2009). Aquilo que venho declarando e escrevendo há dezenas de anos desde o início do uso do computador e da Internet por crianças e jovens está cada vez mais patente: esses meios não são para crianças e adolescentes, pois exigem um discernimento muito grande do que é correto ou falso, do que é belo ou feio, do que é bom ou mau, bem como do que é apropriado a cada maturidade e cultura. Além disso, exigem uma enorme autodisciplina (que crianças e adolescentes não têm), pois são extremamente atraentes e viciantes. O ambiente das escolar Waldorf não incentiva o uso desses meios eletrônicos, incluindo a TV e os terríveis video games. Pelo contrário, uma escola Waldorf digna desse nome reconhece os malefícios que esses meios representam para os seus alunos e procura desencorajá-los a os usarem, alertando explicitamente os pais sobre os problemas que podem decorrer de sua utilização.
O que os pais desejam para seus filhos: um ambiente ideal, sadio, sensível, artístico, altamente social e amoroso, ou um ambiente agressivo, brutalizado, monstruoso (veja-se a admiração pelos horríveis dinossauros), antiartístico, mostrando com figuras de histórias em quadrinhos uma caricatura do mundo, levando a um desrespeito pelo mesmo? Se o mundo está torto, criemos um ambiente contrário a ele para nossas crianças e adolescentes, tanto na escola como no lar. O argumento padrão nesta altura seria: "Mas é impossível impedir que nossos filhos tenham contato com essas coisas horrorosas!" Pois compare-se o tempo de uso desses meios no lar e na escola, se eles estiverem disponíveis nesses ambientes, com o seu uso na casa de amiguinhos ou em outros ambientes, como as Lan Houses (cujo uso deveria ser proibido pelos pais!). O segundo tempo será muitíssimo menor do que o primeiro. Além disso, em termos de uso do computador e da Internet no lar, é facílimo controlá-los: é só não dar a senha de acesso e só ligar o computador para usos especiais. Só há uma maneira de controlar efetivamente o uso da Internet pelos filhos: ficar ao lado deles. Reconheço o problema de se fazer isso com adolescentes, mas talvez se fossem mostrados todos os perigos e males que podem advir do acesso (ver os já citados Smith 2009 e Setzer 2010), eles compreenderiam e se deixariam controlar. Com adolescentes, é fundamental explicar os problemas e citar casos dos desastres provocados pela Internet. O problema principal é o acesso livre, o que já acontecia com a TV. Mas os piores casos ocorrem quando esses meios encontram-se no quarto de dormir dos filhos, bem como com telefones celulares, smartphones e similares com acesso à Internet, pois nesses casos não há absolutamente nenhum controle. No caso dos celulares, nem há a possibilidade de se instalar software de controle de acesso e de monitoramento daquilo que foi usado na Internet. O uso desse software é a principal recomendação de Gregory Smith (Smith 2009) que, como acontece em geral, simplesmente não tem coragem de levar suas corretas observações às últimas consequências e dizer que a Internet não é para crianças e adolescentes.
(...) As escolas Waldorf representam hoje em dia talvez o maior ninho protetor escolar existente. Quando os jovens tiverem maturidade, sairão do ninho sem problema, tendo a capacidade de reconhecer o que é falso, feio e mau e terão segurança, energia e força de vontade para enfrentá-los. Manter os filhos no ensino médio Waldorf significa adiar essa saída até os 18 anos, quando eles já terão suficiente maturidade para enfrentar e reconhecer as misérias do mundo.
Não é o ambiente das escolas Waldorf que é irreal, pelo contrário, ele é impregnado de uma profunda realidade sobre o que significa o desenvolvimento sadio de uma criança e de um adolescente; é o ambiente fora delas que é em geral irreal frente ao que os jovens necessitam.
Problemas adicionais do ensino tradicional
Um dos principais problemas do ensino tradicional é a tensão que ele provoca em crianças e adolescentes, sempre com o perigo de serem punidos, tirarem notas baixas e serem reprovados. É absolutamente necessário que se compreenda que as notas são o que chamei há dezenas de anos de "varinha de marmelo moral". Quando se dava um castigo físico para um aluno, ele podia sofrer no momento, mas com o tempo iria esquecer o ocorrido. As notas, quando são baixas, são verdadeiros castigos morais indeléveis, pois ficam registrados para sempre. Na falta de habilidade do professor para despertar em seus alunos um entusiasmo pela matéria, ele usa a varinha de marmelo moral para forçar os alunos a estudar. Mas quem estuda sem interesse e entusiasmo acaba sempre frustrado e com dificuldade de estudar.
Pergunto aos leitores: quem se lembra do que aprendeu no ensino médio? Garanto que as lembranças são impressões, e não os detalhes que eles tiveram que saber para tirar boas notas nas provas. Então, por que tiveram que estudar para elas, e passar pela tensão que passaram? O que sobrou foi um amadurecimento, uma técnica mental, uma vaga lembrança, e não todos os detalhes que tiveram que saber ou mesmo decorar. Mas amadurecimento e técnica mental é justamente o que não se pode medir com provas. Adolescentes ainda não estão suficientemente maduros para enfrentar a frustração de tirar notas baixas e a tensão que passam antes das provas e com a perspectiva de serem reprovados.
E por falar em reprovação, observe-se a sabedoria do ensino totalmente continuado das escolas Waldorf, existente desde 1919, e como ele funciona maravilhosamente. Ele não funciona fora dessas escolas simplesmente por que os professores e pais não foram preparados para esse sistema, proposto pela UNESCO justamente baseado na experiência da pedagogia Waldorf. Uma das principais razões é que os professores raramente sentem amor pelos seus alunos, algo que justamente não é ensinado nos cursos de pedagogia e de licenciatura. Steiner afirmou o seguinte:
"As três regras de ouro da arte de educar e de lecionar que, em cada professor, em cada educador, devem ser disposição total, impulso total para o trabalho, que não podem ser concebidas simplesmente de maneira intelectual, mas devem ser apreendidas a partir do ser humano global, devem ser: [1] Gratidão religiosa frente ao cosmo que se manifesta na criança, [2] unida à consciência de que a criança representa um enigma divino, que se deve solucionar mediante a arte de ensinar. [3] Praticar com amor um método de ensino pelo qual a criança se educa instintivamente junto a nós, de modo que não se ameace a sua liberdade, que deve ser considerada também onde se encontra o elemento inconsciente da força orgânica de crescimento." (Steiner 1979, palestra de 19/8/1922, p. 75; minha tradução e numeração.)
Um outro fator é o desconhecimento que os professores têm do que se passa no íntimo dos jovens em cada idade, o que é dado pelo conhecimento do desenvolvimento estabelecido por Rudolf Steiner, uma das bases que distingue a pedagogia Waldorf de outros métodos. Com esse conhecimento, o professor pode apresentar a matéria de maneira adequada para a idade, facilitando o entusiasmo dos alunos.
A respeito do interesse dos alunos pela matéria, ele disse:
"Se o erotismo assume entre os jovens uma importância desmedida, a culpa é dos professores, que são medíocres e não sabem despertar o interesse. Se as crianças não têm interesse pelo mundo, o que lhes resta para pensar? Quando se fala de maneira enfadonha na aula de matemática ou de história, só lhes resta pensar no que se passa em seu corpo – no coração, no estômago e nos pulmões. Isso pode ser evitado se desviamos o interesse dos jovens para o mundo; isso é sumamente importante. Se o erotismo predomina, se recebe uma atenção excessiva enquanto as crianças estão na escola, toda a culpa cabe à escola." (Steiner 1978, palestra de 21/6/1922, p. 15)
(...) Finalmente, vou mencionar um aspecto que talvez toque alguns pais. Além da falta de um conhecimento profundo sobre a natureza íntima do jovem, há uma outra praga que assola o ensino tradicional: o materialismo dos professores. Por materialismo entendo uma concepção de mundo que admite nele exclusivamente a existência de matéria e energia físicas, bem como apenas de processos físicos. Uma pessoa é materialista se somente pensa nesses termos. A grande maioria da humanidade com uma certa cultura é hoje em dia materialista, o que é perfeitamente natural, pois a humanidade tem que passar por essa visão de mundo para poder chegar consciente e livremente a uma visão muito mais ampla e profunda, espiritualista, como a dada por Rudolf Steiner em sua Antroposofia. Em particular, o ensino médio e universitário padrões são profundamente materialistas, o que em geral torna os jovens adeptos dessa concepção. As escolas Waldorf não ensinam espiritualismo, e devem apresentar no ensino médio a visão materialista corrente, na filosofia, na história e nas ciências. No entanto, isso deve ser feito de maneira crítica, por exemplo dando-se a teoria da evolução neodarwinista como ela é, uma teoria, e não como uma verdade. Em especial, é fundamental que se apresentem as questões em aberto dessa teoria (como o aparecimento da fala humana, o fato de o corpo humano não ter pelo ou couro etc.) e os problemas que ela apresenta (como os cálculos recentes mostrando que não houve tempo suficiente para mutações coordenadas e o resultante aparecimento de novas espécies, como é o caso do período denominado de 'explosão cambriana'). Na Física, deve-se mostrar, por exemplo, que não se sabe o que é um átomo: como já citado em 3.1, ele não é um sistema planetário, se bem que esse modelo serve para certos fins, como por exemplo para se lidar com elementos e combinações químicos. É absolutamente fundamental que se esclareçam os alunos sobre o que é a modelagem matemática e suas limitações, e como esse método tornou-se o padrão científico moderno. Nada disso é feito no ensino tradicional, pois há uma intenção consciente ou inconsciente de se endeusar a ciência, sem mostrar seus problemas e limitações. A intenção subjacente é a de induzir uma mentalidade materialista.
(...) Apesar de não ensinarem espiritualismo, as escolas Waldorf querem produzir jovens com pensamentos flexíveis e com sensibilidade, de modo que não sejam acorrentados irremediavelmente ao materialismo. Por sua própria evolução, talvez alguns deles cheguem mais tarde a um espiritualismo moderno, sem dogmas e sem crenças. Uma educação exaltando a ciência materialista é certamente um obstáculo para esse passo.
Fonte: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/tirar-de-waldorf.html
Imagem: comshalom.org
Olá
ResponderExcluir... Primeiro quero falar do problema que tive no início da leitura, porque me deu uma grande curiosidade relacionado à tal “Waldorf”, que fui atrás de imagens no Google (botei o link do Wikipédia.org aqui: http://bit.ly/1fpR ), pra ver imagens do lugar, e encontrei “Waldorf School”, que tem pelo mundo inteiro; menos no Brasil :(
Assim mesmo, continuei a leitura do seu importante texto - mas, devo sugerir que nos temas abordados coloquem fotos para estimular a leitura e facilitar a compreensão (para àqueles que estão chegando agora no Blog!). Valeu!
No mais, tá tudo certo! Quero dizer ainda que não sou contra o que está escrito no texto (... muitas coisas têm sentido ...); mas crescemos em uma sociedade de pais subjulgados, mães reprimidas - muitas vezes, iniciado dentro das escolas. Daí, me tornei um partidário da educação dentro de casa; e depois, na escola.
Mas nada de impedir os meus filhos de saber dos horrores na nossa realidade, porque é fato. Vou esclarecer com palavras e exemplos visuais o porquê disso tudo e quais são as recompensas e os possíveis resultados de cada ato. Sem aliená-los. Porque mais tarde às escolhas serão deles ...
Gostei deste conteúdo abordado no Edupreciso.blogspot.com.br!
;-)
Até depois ...
Olá Edson:
ExcluirEssas escolas existem no Brasil, sim, inclusive em Porto Alegre, ondo moro.
Já que achou o assunto interessante, dê uma olhada na primeira postagem que fiz sobre o assunto, em junho de 2011 e que explica a pedagogia Waldorf.
Em vista do que há atualmente em matéria de educação escolar, eu achei essa pedagogia bem interessante.
Obrigada pela visita e participação.
abraços
Olá.
ResponderExcluirPost divulgado no Teia Educação.
Até mais
Querida amiga
ResponderExcluirComo professor,
entendo que o sistema
educacional está doente.
Rouba-se a ternura
e dita-se o conteúdo.
Que sempre haja amor,
para alimentar de sentidos
sua vida.
Passei por aqui para desejar bom fim de semana!
ResponderExcluirBeijo da Nita.
Olá Edson, existem várias escolas Waldorf no Brasil, em torno de 58.
ExcluirDeviria haver ensino médio Waldorf em Campinas, apenas isso.
ResponderExcluirHá várias formas de sistemas educacionais que são pregados pelo mundo inteiro e cada teórico irá defender o seu, mas sempre tive em mente e a todo instante eu refletia sobre as ações minha e de toda a sociedade sobre o que é educar sistematicamente, pois não há um modelo perfeito de EDUCAÇÃO neste ou naquele lugar. Educar é trabalhar com seres humanos e todos nós trazemos conosco nossas insatisfações, nossos anseios, nossas buscas o que torna tudo muito infinito e subjetivo. Gostei de conhecer a sistemática desta escola que veio a acrescentar, porém nada é ideal quando se trata de um processo que nunca estará acabado.
ResponderExcluirGrande abraço, Atena.
Malu:
ResponderExcluirConcordo que não existe modelo perfeito, contudo achei bem interessante o modelo Waldorf pelo seu lado humanístico e estimulador da criatividade.
Obrigada pelo comentário e beijos