segunda-feira, 5 de novembro de 2012

UMA HISTÓRIA COMO POUCAS...

histórias


Ela era a caçula entre os sete irmãos homens. Com o pai formavam um exército de oito brutos, que arrancavam a comida da terra pouca e alheia que todos cultivavam com as mãos e o suor, inclusive ela.
A ignorância era a marca registrada de toda a família, menos da mãe, que, embora também não tivesse estudo, sabia o quanto era importante saber ler e escrever para ser gente.
Mas o trabalho era muito... Acordar antes do sol e dos homens para ajudar a preparar a rala boia. Com eles, ir para a pequena roça e, às 10 horas, comer a comida já fria e sem gosto. Voltar às quatro da tarde e lavar a casa, a roupa e a si própria. Ao término de tudo, se jogar na cama, literalmente morta de cansaço físico e espiritual.
Faltava-lhe algo, ela tinha certeza. Mas o quê? Ela não sabia palavras que pudessem expressar o que sentia. Era isso!... PALAVRAS.
Quando comunicou sua decisão de ir para a escola, pela primeira vez, aos 12 anos, o pai enfezou, os irmãos riram e a mãe chorou por todas aquelas reações. Elas, no entanto, Não se sentiu ameaçada.
Juntou as roupas ralas no saco de papel da mercearia e partiu sem olhar para a casa envolvida na escuridão da madrugada.
Depois de dormir na calçada de terra na frente da escola, viu quando a mulher que chamavam de diretora chegou. Foi falar com ela. Queria se matricular e se a diretora dissesse que podia,  ia procurar o emprego que precisava naquela cidade poeirenta que o progresso esqueceu de procurar. A diretora se comoveu e escolheu aquela magricela sardenta, de olhos esbugalhados, como babá de sua criança recém-nascida.
Mas, ainda assim, as coisas não ficaram fáceis.
Ela era uma estranha em sala de aula. Porque era a mais velha e mais alta da turma, foi relegada à última fileira, na carteira do canto escuro. assustada como bicho acuado, não cativou a professora, que vira e mexe a chamava de caipira e desajeitada, nomes que, definitivamente, afastaram os possíveis amigos... que nunca teve. Dias difíceis de muitas lágrimas engolidas a seco.
Mas ela era forte! Uma gigante de pouco mais de um metro de altivez.
Foram muitos dias de brincadeiras com a criança herdada e mais noites duras de estudos. Os anos perdidos pareciam irrecuperáveis... Pareciam!
Este ano ela se forma professora, de Português. A criança a qual cuidou saiu da cidadezinha o mês passado e foi para a capital atrás do seu sonho de ser médica. Segui o exemplo da tutora.
Não faz tanto tempo, Maria, como tantas Marias-modelo, voltou à pequena propriedade onde a família ainda mora. A mãe já não existe, mas a vizinha diz que ela morreu feliz, no tanque, porque uma de suas crias iria ser gente.
O pai, que proibiu sua figura por aquelas terras por tantos anos, ofendido que ele estava por aquilo que ele considerava desacato, agora é só orgulho. Já comprou até camisa nova para a formatura. Os irmãos pedem ajuda para alfabetizar os sobrinhos que são muitos...
Agora é ela quem sorri.

Por Alzira Gonçalves da Silva.

Mais uma história par se refletir.
Quantas Marias ainda existem por este mundo, espalhadas e relegadas à falta de possibilidades, na miséria humana que ainda é alarmante...
Mas quantas encontram forças para reavivarem seus sonhos e torná-los tão reais quanto a falta de perspectivas.

BOA LEITURA A TODOS QUE POR AQUI PASSAREM...